Por que você sumiu?- ela pergunta, depois de algumas
estações desencontradas. Ele hesita em responder. É estranho não sentir mais
vontade de justificar suas ações para ela. É como se agora houvesse a liberdade
de serem estranhos, e não deverem mais nada um para o outro.
Ele
pensa em muitas razões para completar suas reticências. Mas não se sente
obrigado por nenhuma delas. Talvez por educação, ou pela ausência de qualquer rancor,
apenas deixa escapar algumas breves palavras. Nenhuma delas tem o poder de
amenizar aquela súbita curiosidade que surge do nada, e se mostra
surpreendentemente interessada. Nenhuma delas seria capaz de transpor aquele
espaço insondável de distância que restava agora entre ambos. Como se depois de
qualquer final, só restassem mesmo os abismos e as lembranças- outrora
agradáveis- e no minuto seguinte, apenas, constrangedoras.
E
ela ainda perguntava por que o sumiço, como se aquele tanto de presença já não
fosse o bastante para explicar qualquer desaparecimento súbito. Era
perfeitamente compreensível.
Seria
mentira dizer que não sumi. Que estive sempre ali, no mesmo lugar. Que ela
sabia onde era o meu endereço, e sabia muito bem onde me achar. Mas acontece
que eu não queria mais ser achado. Então, por acaso, eu me mudara. Fui morar
longe dali. E sumi, sem deixar vestígios de mim em nenhum lugar pela casa. Sem
pistas de que estive ali, e nem restos de memórias que denunciassem por onde eu
havia estado.
Sim.
Sumi. Sumi, como somem as roupas quando saem de moda. Como somem as canções
quando já não fazem mais sucesso e deixam de ser tocadas. Sumi porque precisava
de reciclagem. Respirar sem sentir o ar rarefeito. O clima pesado das
contradições aparentes. As ideias embaçadas pela culpa no retrovisor.
Sumi
porque precisava, acima de tudo, perdoar a mim mesmo. Fazer as pazes com os meus
próprios dilemas. Voltar a me ver como alguém capaz, que valesse à pena,
investir e perder algum tempo. E que, pudesse sentir novamente alguma coisa
real, verdadeira. Que estivesse pronto para o que viesse. Sem ressalvas nem
recaídas de última hora.
Sumi
porque não aguentei a barra de ver você seguindo em frente. Porque não consegui
me esconder em outros desejos. Porque não achei justo brindar à esperança em
copos de plástico, nem curar a ressaca das noites insones, frequentando outras
solidões.
Então, sumi. Porque
haviam coisas que precisavam ser feitas. E elas exigiam de mim, alguma
dedicação silenciosa. Sumi, porque os nossos lugares em comum estavam ficando
manjados. Pareciam haver nossas digitais em cada canto. O beijo dado na hora
imprópria. O primeiro olhar sequestrando o interesse, e fazendo-o refém por
longos períodos de intenções não-declaradas. Sumi porque nunca fui bom em
decifrar os enigmas da saudade. Como se as peças que faltavam não encaixassem.
Por não saber lidar com os labirintos sem saída da memória. Ter que lembrar de
te esquecer era demais pra mim.
Tudo isso, acontecendo ao redor, e as emoções
nos indagando sobre a possibilidade da volta. Eu não dei conta. Sumi pra não
enlouquecer.
Tão rápido quanto o sol se esconde no mar, nos olhos
poentes do horizonte anunciado. Fugi na direção contrária, para o bem de todos
que esperavam alguma coisa de mim. Já não tinha nada a oferecer, exceto a minha
própria confusão. E isso não bastava.
A melhor coisa que poderia fazer era sumir para sempre do
seu mundo, e recomeçar novamente em algum outro universo ou galáxia, onde
ninguém soubesse quem eu era, quem nós fomos, e o quanto deixamos para trás,
sem pensar duas vezes.
Porque
é assim que os loucos abrem mão da felicidade: Jogam fora os seus planos de uma
vida toda em troca de uma chance de provarem que estão certos. Como tolos teimosos-
incapazes de reconhecer seus erros- se apegam a conceitos superficiais de como
as coisas deveriam ser. E essa competição contra os seus próprios ideais
imaginários é o maior atestado de fracasso que alguém pode assumir. É o fim de
todo o argumento aceitável que poderia desfazer qualquer breve mal entendido. E
tudo vira uma disputa, alguma triste briga sem motivos, uma eterna batalha de
egos, entre vidas vazias e em busca de sentido, tentando provar para o orgulho,
quem é melhor que quem.
E
por não suportar mais isso, eu sumi. Desisti de tudo o que não fazia mais
sentido pra mim, e decidi sair de cena, sem maiores cartazes nem uma última
dose. Apenas eu, seguindo adiante. E uma estrada longa e infinita me convidando,
me chamando para a dança. Como eu poderia recusar? Era a minha chance de deixar
tudo para trás. Era melhor assim.
E
hoje, ao me encontrar comigo, levo essa certeza- que se afirma mais a cada dia-
sumir, foi a melhor coisa que eu fiz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário