quarta-feira, 30 de março de 2011

A ANARQUIA DE ESCREVER






      Escrevo para compartilhar o caos aéreo do meu tempo. A nebulosidade impede decolagens. Minha bagagem cultural foi extraviada e você, por engano ou infortúnio, levou algo meu entre suas coisas. Devolva assim que puder. Tenho urgência de me situar, enquanto faço minha breve incursão pela noite. Quero ainda conhecer os pontos turísticos da cidade, antes que minha estadia aqui seja postergada e eu tenha que embarcar às pressas no próximo voo.

      Escrevo para agitar uma revolução silenciosa que se insinua nos corações oprimidos. Todos temos hora para chegar todos os dias, e caminhamos apressados, nos orientando pelos sinais confusos do caminho. Nossos finais de semana são paisagens e memórias de um lugar que nos parecia mais quente, agradável e acolhedor, antes que descobríssemos que o Capitalismo seria a nossa eterna prisão. Afinal, no útero da concepção de um futuro possível, a ambição era apenas a inocente expressão dos nossos desejos. Não tinha preço nem exigia do tempo, produtividade.

     Escrevo então para insurgir o que o Existencialismo chamaria de busca interminável por si mesmo. É o segundo em que o café passou de morno e no ponto, para frio e excessivamente amargo. Consegue ainda sentir o cheiro de liberdade em suas roupas? Você respira a poluição visual de suas mentiras e invenções. Tudo para se convencer de que esse mundo vale a pena e que o trabalho é sagrado e compensa. Quanta hipocrisia eu ouço por aí!
 -"Hei querida, isso não é liberdade. É só mais um Free box intoxicando seus poros, com vestígios inconvenientes das pessoas que fumaram a sua volta".
       O ambiente foi tragado pelas horas de prazer que você desperdiçou em troca do sacrifício do dever cumprido. Pessoalmente, eu acho que Deus jamais daria luz a um mundo onde notas consomem pessoas e pessoas se notabilizam pela soma dessas notas, desesperadamente sedentas em busca de algum valor. Valor que, constantemente elas procuram nos outros, nas coisas, nos sonhos distorcidos... E nunca, de forma alguma, em si mesmas.

       Liberdade é essa palavra que afronta. Desopila a mente da dúvida, passeia pela incoerência e casa bem com a discórdia. Não aceita ordem nem qualquer obrigação espartana. É um desapego natural, um estar pleno e respirar novos ares a cada despertar.
        Liberdade é sentir algo inexplicável, sem fazer sentido. E saber que é bom, e consentir que faz bem, e não imaginar limite ou despertador capaz de estragar aquele momento.

       Escrevo assim, por uma cumplicidade inerente de dividir com o mundo, o meu repúdio pelas mentiras que inventamos diariamente, tentando convencer a nós mesmos de que fizemos a nossa parte. E que nada nunca é nossa culpa. Exceto a culpa que nos faz escravos de uma forma egocêntrica de pensar. A culpa da moda. Que as revistas estampam com orgulho, e os jornais trazem na capa.

         Mas não procure verdades definitivas nessas palavras, nem caía na inútil alusão de concordar ou criticar silenciosamente o que não estiver de acordo. Seria só a sua forma peculiar e acomodada de ver o mundo, resumida através de um linear ponto de vista. E você não é o dono da verdade. E eu não sou mais do que uma ideia em contradição com as metáforas.
       Opiniões são como usinas nucleares, contaminam o ar e em pouco tempo, todos estão infectados.
      Mas eu ainda penso que fazer suas próprias escolhas é não se deixar influenciar pela sabedoria dos tolos. E talvez, talvez este ainda seja o caminho para você se salvar.