quarta-feira, 11 de agosto de 2010

RITUAL PECULIAR






     Avistou-o subitamente e foi amor à primeira vista. Precisava tê-lo, possuí-lo de qualquer maneira. Já imaginava como seria o encontro, a textura macia e confortável da sua forma envolvendo-a, encaixando-se perfeitamente ao seu tamanho, se adaptando à sua estrutura fina e delicada. Era o seu número, sem dúvidas. E um adorno e tanto para o seu ego, já tão machucado por insistir em usar tamanhos errados, como se a dor justificasse o rótulo da sofisticação e da elegância. Não sem comprometer o prazer e o bem estar de se sentir livre e confortável na sua própria pele.

      Uma sensação repentina de posse a acometeu. Ele tinha que ser dela. Pertenceria a ela de qualquer maneira. Tão bem lhe faria, tal o modo como combinava com seu perfil e se harmonizava com as roupas certas e o ideal momento. Fora feito na medida certa para ela. O modelo, a textura, a cor versátil, o brilho tênue que irradiava dele: Tão autêntico e único. Nunca se vira outro igual. E aos pés dela, sim, ficaria perfeito.

 -"Que conforto para a alma!”- pensou com seus botões, blusa e seda. Na falta de um homem que me valha, me divirto escolhendo sapatos. Afinal, a diversidade é maior - sintetizou, com seu humor sarcástico, rindo-se por dentro, e ao mesmo tempo contestando sua fina ironia. Era isso, uma mera satisfação momentânea. Aforismo feminino.
Que homem jamais entenderá a relação íntima e profunda que une uma mulher ao seu melhor par de sapatos? O porte altivo, o olhar sedutor, o sorriso misterioso de satisfação que ela exibe enquanto desfila a sua pisante arte contemporânea. O estilo ousado, o design raro, ás vezes inovador, outras, de modas revisitadas. O prazer secreto e incomparável que ela sente, sente ao ser admirada. Não por você, seu tolo, ignorante e insensível, mas sim por uma outra exemplar da mesma espécie. Uma concorrente em potencial. Afinal, lá no fundo, todas o são.
      Uma vítima que padece do mesmo grau de uma quase obsessão, sem culpas, recalques e sem maiores constrangimentos. Da mesma necessidade urgente de preencher seu guarda-roupas com quinhentos pares de modelos diferentes. De mostrar para as amigas, de ostentar para as rivais. E até de curar suas mágoas e desilusões amorosas cortejando silenciosamente as vitrines e interpretando seus gostos sugestivos por mudanças, sua sensibilidade apurada, sua auto-estima objetiva e geneticamente complexa.

      Uma mulher se ama quando escolhe o que vai usar. Se cuida zelosamente. É um momento dela. Um ritual peculiar muito seu. Muito pessoal e discreto. Envolve concentração nos detalhes. 
Observe a sua aura renovada. Preste atenção na sua ansiedade crônica sendo temporariamente amenizada, pouco a pouco, enquanto ela experimenta, prova, descobre. Que súbita afeição existe ali? Desista. Você nunca entenderá. 
    Será que ela está amando, foi promovida ou teve uma noite de orgasmos intermináveis? Não, não... Ela apenas encontrou um modelo novo de sapato, e está prestes a experimentá-lo.




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