Avistou-o
subitamente e foi amor à primeira vista. Precisava tê-lo, possuí-lo de qualquer
maneira. Já imaginava como seria o encontro, a textura macia e confortável da sua
forma envolvendo-a, encaixando-se perfeitamente ao seu tamanho, se adaptando à sua
estrutura fina e delicada. Era o seu número, sem dúvidas. E um adorno e tanto para
o seu ego, já tão machucado por insistir em usar tamanhos errados, como se a dor
justificasse o rótulo da sofisticação e da elegância. Não sem comprometer o prazer
e o bem estar de se sentir livre e confortável na sua própria pele.
Uma sensação repentina de posse a acometeu.
Ele tinha que ser dela. Pertenceria a ela de qualquer maneira. Tão bem lhe
faria, tal o modo como combinava com seu perfil e se harmonizava com as roupas
certas e o ideal momento. Fora feito na medida certa para ela. O modelo, a
textura, a cor versátil, o brilho tênue que irradiava dele: Tão autêntico e
único. Nunca se vira outro igual. E aos pés dela, sim, ficaria
perfeito.
-"Que conforto
para a alma!”- pensou com seus botões, blusa e seda. Na falta de um homem que
me valha, me divirto escolhendo sapatos. Afinal, a diversidade é maior - sintetizou, com seu humor sarcástico, rindo-se por dentro, e ao mesmo tempo contestando sua
fina ironia. Era isso, uma mera satisfação momentânea. Aforismo feminino.
Que homem jamais
entenderá a relação íntima e profunda que une uma mulher ao seu
melhor par de sapatos? O porte altivo, o olhar sedutor, o sorriso misterioso de
satisfação que ela exibe enquanto desfila a sua pisante arte contemporânea. O
estilo ousado, o design raro, ás vezes inovador, outras, de modas
revisitadas. O prazer secreto e incomparável que ela sente, sente ao ser
admirada. Não por você, seu tolo, ignorante e insensível, mas sim por uma
outra exemplar da mesma espécie. Uma concorrente em potencial. Afinal, lá no
fundo, todas o são.
Uma vítima que padece do mesmo grau de uma quase obsessão, sem
culpas, recalques e sem maiores constrangimentos. Da mesma
necessidade urgente de preencher seu guarda-roupas com quinhentos pares de
modelos diferentes. De mostrar para as amigas, de ostentar para as rivais. E
até de curar suas mágoas e desilusões amorosas cortejando silenciosamente as
vitrines e interpretando seus gostos sugestivos por mudanças, sua sensibilidade
apurada, sua auto-estima objetiva e geneticamente complexa.
Uma mulher se
ama quando escolhe o que vai usar. Se cuida zelosamente. É um momento dela. Um
ritual peculiar muito seu. Muito pessoal e discreto. Envolve concentração nos
detalhes.
Observe a sua
aura renovada. Preste atenção na sua ansiedade crônica sendo temporariamente
amenizada, pouco a pouco, enquanto ela experimenta, prova, descobre. Que súbita
afeição existe ali? Desista. Você nunca entenderá.
Será que
ela está amando, foi promovida ou teve uma noite de orgasmos intermináveis?
Não, não... Ela apenas encontrou um modelo novo de sapato, e está prestes
a experimentá-lo.
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