sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ROTA ROMÂNTICA


  


   Em boa companhia se vai longe, nenhuma estrada parece longa demais, não há limite para onde se pode chegar.
  Seguimos leves o rumo nômade do pensamento, não existe oposição entre o corpo e a mente; O cansaço renova nossas forças com histórias alegres. Lembranças que saem à luz, como o horizonte diante dos olhos. Coincidências da memória, que move o tempo e embala os sonhos, no mesmo ritmo da canção que no momento nos ouve.
   De repente, a noite nos envolve com seu cobertor silencioso de promessas, atenuando a sonoridade dos ventos. O destino é uma arte milenar exposta nas fragilidades do acaso, e faz das possibilidades, a nossa paisagem de fundo. 
  Então passeamos, entre estrangeiros e peregrinos das mais variadas idades, culturas e manias. Contornamos a forma do labirinto, buscando sempre a nossa própria saída. Um pouco além das pontes que nos ligam a dimensões do passado, pagando pedágio pela nossa ousadia de tentar antever o futuro. Entre um instante e outro, no limite da velocidade permitida, nós somos livres, como duas aves voando contra os faróis do sol.


   Todo o estar em si é aventura e romance. A viagem é como um roteiro de grandes escaladas, municiado de cenas íngremes e atuações marcantes. Instigantes percalços de dúvidas, permeados por  intuitivas certezas. Convicções que se afirmam ao longo de calmos desatinos. 
     Ainda nos vemos passageiros de um momento que nunca chega. Trocamos a ansiedade pela distração. A cidade é mais bela nessa época do ano. Tudo parece que brilha com a intensidade de um olhar contemplativo. Nós admiramos a paisagem, o movimento e o tráfego confuso pela ausência de sinais. Jantamos pedaços de uma fome que nos devora. O combustível em falta nos obriga a uma parada necessária. 

   Qualquer lugar nos parece mais perto, da distância em que nos encontramos até o destino que nos surpreendeu. Não faz muito tempo que nos permitimos encontrar os motivos que nos trouxeram até aqui. Qualquer certeza agora anda conosco, como a carona inusitada que pegamos na estrada, e levamos mais longe do que o seu desejo de descer na próxima estação. Qualquer momento tem um gosto inusitado, e o sabor do mistério revela um paladar afrodisíaco. Contenta provar no beijo um esboço, do prato exótico que é a alma do outro. 
    Afinamos nossas existências na mesma sintonia, sensação reincidente de se estar caindo e  também de se estar seguro, sermos achados no meio de uma multidão, e estarmos a sós no mundo.


    Somos ora incoerentes, ora incompreendidos. Ora loucos rumando sem noção de espaço, ora visionários ocupando a realidade com teorias distintas. Donos de nossas visões peculiares, trocando ideias, enquanto a razão confronta nossos sentidos. 
    As horas para nós são códigos-morse, rotas de fuga e figuras de linguagem. Sempre há tempo para um último gole, sempre o imprevisto colaborando com os planos, sempre os últimos a fechar o bar. Sempre no horizonte, o foco, de um motivo real que justifique o encontro, e por alguns instantes, vendo as paisagens que correm, junto ao carro e paralelas a nós, eis que o destino parece um sorriso sincero da vida, combinando seu jeito espontâneo com a cumplicidade que a natureza evidencia. E há luz em seus olhos. Luz de faróis e relâmpagos. Talvez sol, talvez chuva. Quem sabe? Quem será capaz de prever o futuro?
  Eu me calo. Prefiro seguir com você nessa estrada a tentar explicar pra onde foi a lua. Certamente ela está perto. Nos espreitando de algum ângulo secreto. Tudo parece tão complexo que até simplificar vira desculpa. Um sorriso seu me reserva o que nenhum lugar em mim mesmo jamais considerou ser possível.


   E vamos nós, ao som de algum rock clássico, na balada de uma banda inglesa famosa, brincando de trovar fiado a arte da felicidade, o infinito do Cosmos na beira de uma estrada, nada nos pertence e no entanto, parece que nós possuímos o mundo. Controlamos o destino, fazemos do acaso a nossa minuciosa busca. 
    A sorte está lançada. Foi naquela mesma noite em que nossos sorrisos se trocaram, como espelhos que refletem o sol. Amor no fim das contas, é um caminho que se faz a dois...















quarta-feira, 30 de março de 2011

A ANARQUIA DE ESCREVER






      Escrevo para compartilhar o caos aéreo do meu tempo. A nebulosidade impede decolagens. Minha bagagem cultural foi extraviada e você, por engano ou infortúnio, levou algo meu entre suas coisas. Devolva assim que puder. Tenho urgência de me situar, enquanto faço minha breve incursão pela noite. Quero ainda conhecer os pontos turísticos da cidade, antes que minha estadia aqui seja postergada e eu tenha que embarcar às pressas no próximo voo.

      Escrevo para agitar uma revolução silenciosa que se insinua nos corações oprimidos. Todos temos hora para chegar todos os dias, e caminhamos apressados, nos orientando pelos sinais confusos do caminho. Nossos finais de semana são paisagens e memórias de um lugar que nos parecia mais quente, agradável e acolhedor, antes que descobríssemos que o Capitalismo seria a nossa eterna prisão. Afinal, no útero da concepção de um futuro possível, a ambição era apenas a inocente expressão dos nossos desejos. Não tinha preço nem exigia do tempo, produtividade.

     Escrevo então para insurgir o que o Existencialismo chamaria de busca interminável por si mesmo. É o segundo em que o café passou de morno e no ponto, para frio e excessivamente amargo. Consegue ainda sentir o cheiro de liberdade em suas roupas? Você respira a poluição visual de suas mentiras e invenções. Tudo para se convencer de que esse mundo vale a pena e que o trabalho é sagrado e compensa. Quanta hipocrisia eu ouço por aí!
 -"Hei querida, isso não é liberdade. É só mais um Free box intoxicando seus poros, com vestígios inconvenientes das pessoas que fumaram a sua volta".
       O ambiente foi tragado pelas horas de prazer que você desperdiçou em troca do sacrifício do dever cumprido. Pessoalmente, eu acho que Deus jamais daria luz a um mundo onde notas consomem pessoas e pessoas se notabilizam pela soma dessas notas, desesperadamente sedentas em busca de algum valor. Valor que, constantemente elas procuram nos outros, nas coisas, nos sonhos distorcidos... E nunca, de forma alguma, em si mesmas.

       Liberdade é essa palavra que afronta. Desopila a mente da dúvida, passeia pela incoerência e casa bem com a discórdia. Não aceita ordem nem qualquer obrigação espartana. É um desapego natural, um estar pleno e respirar novos ares a cada despertar.
        Liberdade é sentir algo inexplicável, sem fazer sentido. E saber que é bom, e consentir que faz bem, e não imaginar limite ou despertador capaz de estragar aquele momento.

       Escrevo assim, por uma cumplicidade inerente de dividir com o mundo, o meu repúdio pelas mentiras que inventamos diariamente, tentando convencer a nós mesmos de que fizemos a nossa parte. E que nada nunca é nossa culpa. Exceto a culpa que nos faz escravos de uma forma egocêntrica de pensar. A culpa da moda. Que as revistas estampam com orgulho, e os jornais trazem na capa.

         Mas não procure verdades definitivas nessas palavras, nem caía na inútil alusão de concordar ou criticar silenciosamente o que não estiver de acordo. Seria só a sua forma peculiar e acomodada de ver o mundo, resumida através de um linear ponto de vista. E você não é o dono da verdade. E eu não sou mais do que uma ideia em contradição com as metáforas.
       Opiniões são como usinas nucleares, contaminam o ar e em pouco tempo, todos estão infectados.
      Mas eu ainda penso que fazer suas próprias escolhas é não se deixar influenciar pela sabedoria dos tolos. E talvez, talvez este ainda seja o caminho para você se salvar.