segunda-feira, 30 de agosto de 2010

FILTRO DOS SONHOS

 

"Era a prova de sua fé incontestável em tudo que fazia.Era a certeza de que ela apostava no amor, mesmo contra todas as probabilidades, mesmo podendo estar errada e até mesmo se magoar à toa.Para ela nunca era à toa, porque no fundo, ela nunca começava nada antecipando como seria o desfecho final."





  Seu primeiro pensamento ao se olhar no espelho naquela manhã cinzenta fora: "Meu cabelo não está em um bom dia!"-em seguida riu de si mesma, jogou uma água no rosto, como que para despertar do transe cataléptico do sono.Era uma segunda-feira, e o mundo girava tranquilamente conforme o aprumo da gravidade.
  Na verdade ela tinha longos e sedosos cabelos que se ajeitavam fácil.Aparentemente, é claro.Mas diga isso para uma mulher...Era uma exagerada, certamente.Mas não tinha vaidades excessivas.Não a ponto de perder o foco no que realmente importava para ela.
  Os olhos, castanhos e contemplativos, delineavam o rosto suave, de uma vivacidade ímpar.Procuravam naquele instante a inspiração para desenvolver um texto, concluir uma idéia, alcançar um sentido implícito no assunto, ou simplesmente observavam uma cena cotidiana e trivial.


  Tratava-se de seu último semestre na faculdade.Trabalho de conclusão, prazos de entrega e o escambau.Já parecia estar bem adiantada em relação a seu futuro.Coisa de quem segue a risca o script só partindo pros improvisos quando lhe são exigidos.Que nada.Ela cansara de abandonar projetos pela metade, bastava que não a fizessem vibrar, que não lhe trouxessem o mínimo de satisfação interior.Era uma entusiástica, e falava alto.Incansavelmente e alto.Tanto que ás vezes até se via falando consigo mesma.E discordava de si.Briga feia, páreo duro!Coisas de uma mente prolixa, com nervos à flor da pele e uma ansiedade anacrônica.



  Era muito fiel a seus gostos, embora sempre aberta a coisas novas.Adorava quando amava, desgostava em doses homeopáticas, quando era pretendida.Se gabava de ter atitude com o sexo oposto.Num mundo de homens acomodados ela era imponente.Impulsiva e impetuosa.Mostrava a que veio.Dava seus ares.Exibia sua alma ardilosa e  inquietante.Sensível como um trem desgovernado.Também sabia encenar um drama como ninguém.Exagerada, sim.Exageraaaada!Tinha um gosto peculiar para literatura e música.Adorava cantar seus ídolos.E cantava mal.E encantava muitos.Vá entender...
  Jim Morrison talvez a entenderia.Não, definitivamente não, mas beberia todas com ela sem dúvidas, e caminhariam pela noite a procura de um bar com pessoas anarquicamente diferentes vestidas num estilo visual retrô.


  Ela amava o que era diferente, porque ela era diferente.Mas nem todos percebiam que a sua diferença era o que a tornava simples, mesmo sendo tão complexa.Sincera, mesmo tão inconstante.Os seus gostos inusitados eram a sua natureza se manifestando de forma direta.Seu apego momentâneo, sua íntima liberdade renovada a cada ciclo de voltas da terra em torno do sol.A cada mudança nas marés.Cada nova paixão onde ela era intensa.Ás vezes profunda, outras mais pé-no-chão.Realista ao extremo.Passível de ilusões forjadas por si mesma num momento sublime de entrega.Para tornar a emoção mais plausível.O sentimento mais real. "Que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure"...Ou algo do tipo... 
  Era a prova de sua fé incontestável em tudo que fazia.Era a certeza de que ela apostava no amor, mesmo contra todas as probabilidades, mesmo podendo estar errada e até mesmo se magoar à toa.Para ela nunca era à toa, porque no fundo, ela nunca começava nada antecipando como seria o desfecho final.




  Havia uma luz radiante que brilhava em sua vida.Sim, havia.Sua pequena e imensurável razão de existir.Ela era tão rarefeita de amor que inspirava o melhor dos outros.Pouco exaltava isso em si mesma.Embora muito consciente de suas virtudes, a maior de todas elas ainda lhe era um mistério.Sua capacidade de amar e espalhar felicidade por onde passava.Precisava ser desvendada.Aos poucos, conhecida, descoberta...Sem excessos, sem carências, sem faltas, esquecimentos súbitos ou presenças forçadas.Sem pressa, sem que se perdesse muito tempo.Sem indecisões.Sem culpas, desculpas ou medos.Com jeito, acima de tudo com jeito...Também com algum mistério, algum romance e em algum momento.De preferência, quando não estivesse esperando.E quem vive verdadeiramente sem esperar?





  Tudo assim visto daqui, deste ângulo inverso onde o horizonte parece mais claro.Como a sua pele e a luz incidindo sobre as flores na varanda.Como por um vidro invisível que separa o certo do duvidoso.Num fim de tarde qualquer.Numa mesa de bar, entre duas amigas.Olhar sorridente, gestos falantes, charme extrovertido.O que soa tão agradável?O que te faz rir e te torna tão indecifrável ao mundo?Ao meu mundo?Por que te odiar nunca foi uma escolha possível?Embora eu tenha tentado, e você tenha colaborado com um milhão de motivos.Eu nunca pude.Tenho que admitir, meu esforço, minha marra, a minha cara amarrada, tudo enfim...Na real foi só um péssimo disfarce.Diante de você, eu nunca soube atuar.Por mais que às vezes parecesse outra pessoa.No fundo ainda era eu que estava lá.Tentando não transparecer minhas fraquezas, tentando aprender um jeito não tão óbvio de te amar.É claro que eu adoraria pular toda essa parte pseudo-sentimental e ir direto ás preliminares, quem não gostaria?- mas afinal de que forma isso me faria diferente dos demais? Me diga?Nada.Esqueça!Você não entenderia...Apenas deixe pra lá...



  

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

LEMBRANÇAS DE SUA ÚLTIMA INDIADA



" Ele preparou na véspera sua grande mochila de viajante profissional explorador do mundo.Ela tentava a uma semana fazer caber, tudo que precisava levar para um final de semana, na mala.Que não era um malinha qualquer, diga-se de passagem.Como adorava uma indiada!Valeria a pena sem dúvidas...."





 Era sua primeira viagem juntos em quase três meses de namoro.Pegar uma estrada certamente os uniria ainda mais.Uma aventura sem destino, sem compromisso com horários, rotinas ou prazos pré-estabelecidos.Talvez o começo de uma longa jornada pela vida a fora.Uma parceria afinada e compatível, num caminho de descobertas e conhecimento mútuo.Seria realmente algo inesquecível para ambos.


  Quando ele veio com essa idéia, mais sugerindo do que convidando, ela respondeu de pronto, mal contendo a euforia, espontânea que era;
-Aha meu querido!!!Esta falando com a pessoa certa.Eu sempre gostei de uma boa indiada!
  Pneus calibrados, previsão de tempo bom e estrada aberta para rodar.A caranga em dia com a manutenção.Tudo muito bem revisado.Ele preparou na véspera sua grande mochila de viajante profissional explorador do mundo.Ela tentava a uma semana fazer caber, tudo que precisava levar pra um final de semana, na mala.Que não era um malinha qualquer, diga-se de passagem.Como adorava uma indiada!Valeria a pena sem dúvidas....




  O engarrafamento que pegaram logo nos primeiros quilometros não abalou em nada seus entusiasmos.O livro que ela planejara terminar e não pôde pelo som alto do rádio que ele costumava escutar foi só um contratempo.Nada a lamentar.Incoveniente mesmo seria chegar no hotel e não ter quartos.Ou pior, não ter hotel.Era um programa mais natureza!-ele explicou, de última hora.
  -Hummm!!Legal- ela disfarçou bem a surpresa -vou curtir!Um fim de semana no camping, dormindo ao relento sob a luz das estrelas.Fazer amor ao som dos grilos!Seria mágico.Seria um findi perfeito a dois!E os mosquitos que mais pareciam morcegos, tal sua sede...Nem tudo seria uma maravilha afinal.Ei, ela não era fresca!- engoliu em seco o ar, dissimulando;Brincou seriamente, mas brincou!


  Foi um tanto estranho descobrir que os amigos dele estavam acampados ali a sua espera.Com cervejas para dar as boas vindas.Aliás, algumas delas já haviam sido consumidas, inclusive muitas por uns, e quando um deles vomitou a seus pés, ela soube que...Bem, ela soube que "apenas" teria que... Teria que trocar os sapatos, afinal, coisas assim acontecem..."Tudo bem!Está tudo bem!", repetiu como um mantra para se acalmar e abafar os palavrões que vieram a mente.

  O lugar era realmente lindo.Reservado, "em termos".Muito verde.Longe de qualquer poluição.Exceto à noite, quando eles improvisaram uma fogueira que espalhou fumaça por todas as barracas, inclusive impregnando em suas roupas.Mas logo começou uma chuvinha tão providencial quanto imprevista.
  Era tudo tão natural- pensou.Poderia viver bem assim.Mesmo quando a chuva ganhou forma de dilúvio e transformou a barraca numa ilha flutuante cercada de barro por todos os lados.E mesmo quando um sapo, provavelmente com diarréia, entrou sem ser convidado em sua oca disforme e defecou em seu travesseiro de estimação.Tudo fazia parte de um plano superior divino por certo.Ela adorava uma indiada afinal de contas!A quem tentava enganar, nem ela mais saberia dizer.Não ousaria contestar o que haveria de pior ainda por vir.Ao menos não havia nenhum psicopata a espreita na floresta, pensou.Foi quando, de repente ela ouviu barulhos.E subitamente um susto com o grande rato do banhado que saltou a sua frente e depois se embrenhou mata a dentro.Ok, era o fim!O eco do seu grito sintetizava seu limite e como havia ido muito além dele.


  O fim de semana dos infernos acabou na manhã seguinte.Ela já não pronunciava palavras com mais de uma sílaba.Ele indagava e ouvia apenas ruídos indefiníveis.Adormeceu durante toda a viagem.Provavelmente com medo pelo que ainda poderia presenciar no caminho de volta.Não se animou nem quando ele sugeriu que dividissem a direção;E ela adorava dirigir.Quase tanto quanto adorava uma indiada...


  Chegaram em frente a casa dela.Ele a beijou, ainda com bafo de cerveja e disse animado:- Foi um findi incrível!Temos que fazer outra dessas! 
  - Claro.Não vejo a hora!- ela respondeu, procurando inconscientemente uma pedra para atirar na cabeça dele.Mas se conteve.Afinal era educada.Fresca, não.Apenas tinha que rever seus conceitos sobre indiadas.Ou sobre seus parceiros de viagem...


  Terminaram o namoro naquela semana mesmo.Incompatibilidade de programas para o final de semana.Fatal.O trauma fora maior do que ela pensara.Teve pesadelos com o sapo geneticamente modificado.Imaginava-o como um mutante rondando sua barraca.Precisaria de tempo para se recuperar.Algumas sessões de análise talvez...
  Ah, e um novo namorado, é claro.Ajudaria muito.De preferência, menos aventureiro.Mais sensível a seus gostos.E que a ajudasse a desfazer a mala, já que desde a volta, ela ainda não tivera coragem.Com medo de lembrar...

sábado, 14 de agosto de 2010

NAQUELA NOITE

  "O coração, em ritmo de dança frenética, beirava o frenesi num pulsar de batimentos acelerados.Mas ela confiava em sua mente, no GPS dos seus pensamentos, o caminho era nunca estar perdida.Mesmo em situações novas e inesperadas, a confiança inabalável de quem sempre sabia pra onde estava indo."



  Ela escolheu a noite mais congelante do inverno gaúcho para aquecer seu espírito.Vestiu sua empolgação combinando com o ar descolado, e o requinte das botas da moda.
  Estreiava a nova coleção, antes estampada na vitrine dos seus desejos.Estava leve no corpo, mas levava na alma o peso-morto das escolhas desaconselháveis, que outrora havia cometido.O amor, que esculhambou suas idéias.Os desenlaces breves de feridas superficiais, os atritos de um futuro iminente, determinado por sua busca impetuosa e constante pelo melhor para si.


  Ninguém ousaria dizer que ela não era decidida.Ah, isso ela era!Muito fiel a seus planos e multi-centrada em seus objetivos.A vida, vista da margem, pra ela era um oceano de possibilidades, e seu mapa de navegação, sempre ligado, uma bússola a prova de tempestades imprevistas.O coração, em ritmo de dança frenética, beirava o frenesi num pulsar de batimentos acelerados.Mas ela confiava em sua mente, no GPS dos seus pensamentos, o caminho era nunca estar perdida.Mesmo em situações novas e inesperadas, a confiança inabalável de quem sempre sabia pra onde estava indo.E no entanto, nesta noite...


  Nesta fria noite de ar sinistro, antes que o sereno acompanhasse a madrugada, ela saiu para o espairecer.O espairecer de ruas desertas e bares lotados.As casas noturnas entulhando gente, em filas quilométricas à espera pelo aconchego de novas estórias.Nas esquinas das praças, as filhas da noite vendendo suas carnes,em propagandas enganosas;Outdoors prometendo as mais belas mulheres pra quem encher a cara com uma determinada marca de cerveja, e os bêbados trôpegos,trágicômicos caindo pelas calçadas;
  Você pára o carro e vê o mundo, na sinaleira que não abre.Um filme que passa na janela do seu carro, e parece um filme pirata daqueles muito mal filmados.Você quase se arrepende por ter saído de casa, e pensa onde encontrará lugar.Para estacionar.Para estar.Para ficar e se sentir sim, em casa, porém com a sensação de que algo está para acontecer.


  Naquela mesma noite, no círculo polar ártico da sua roda de considerações.Por um estranho inequívoco acaso circunstancial,no poço de evidências circunstanciais que é o acaso, depois de algumas torpes aventuras e distantes madrugadas, eis que seus olhos voltam a se encontrar.E a banda tocava aquela mesma canção:"Last Nigth", o que acontecera conosco naquela última noite?Na última noite em que ela disse:-"Amor, me sinto tão deprê!" Ohhh quem entenderá?


  Parece que voltaram para o colchão macio dos braços um do outro.Deitaram-se sobre a grama para ver as estrelas e congelaram com a fina neve da estação.Ela tinha um sorriso insinuante em seus lábios.Como quem curou seu torcicolo no travesseiro ortopédico de largos ombros.Queria mais que fogo ou intimidade, queria uma companhia pra suas exóticas viagens.Que fosse bom, porém que não estivesse nos planos.


  Certezas que fogem pela janela quando surge o inesperado.O que vai do simples ao complexo dependendo apenas de um piscar de olhos. Depois de séculos, a mesma barba rala e a voz segura e tranquila, a mesma que outrora a deixava arredia, agora subitamente a acalmava.Era o melhor som do mundo.Era uma paz que a invadia.Contagiante e abusada, afirmando que viria para passar a noite.E decerto, ela nem queria isso.
Deixou de lado meia garrafa de uma bebida já choca, e correu para a pista de dança.Tinha que ouvir essa de perto. Tinha que celebrar a certeza que tanto havia sentido falta:Ter uma música sua, e alguém com quem a compartilhar!


sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A HORA DO CAFÉ


Onde estaria o açúcar afinal de contas?Ao final de tudo.Onde estaria o sentido implícito da lógica ao avesso?Na pilha de papéis inconclusos sobre as mesas?Nas xícaras deixadas pela metade?Nas longas pausas entre uma colheirada e outra de expectativa dissolvida em grãos de êxtase descafeínado?


  Trabalharam durante quase cinco anos lado a lado no mesmo escritório, separados exclusivamente por uma fina parede confessionária, que pouco servia como material concreto, exceto talvez para isolar os desejos libidinosos da fértil imaginação.Ambos se viam diariamente nas horas do café, ou eventualmente em reuniões e corredores.


  Palavras cordiais, brincadeiras nada comprometedoras.Colegas, pura e simplesmente colegas.
Por onde sua mente devassa já passeou nesse momento?Eles eram colegas!Guardando em si a odisséia moral de nunca revelar emoções.Escondendo-se da hipocrisia dos outros, custeando a sua própria.Bem casada ela.Muito educado ele.Diplomáticos.Cúmplices de olhares insinuantes em códigos de conduta impessoal.Até que uma notícia inesperada ameaçou a paz de suas rotinas de workaholics habituais.Ela iria embora.Estava deixando a Empresa.Uma nova oportunidade havia surgido.Um ruflar de asas necessário pra todos.Mas que vento desagradável sacudia as árvores naquela tarde primaveril!


  Como ela podia fazer isso?Que seria das manhãs dele sem o perfume suave dela invadindo sua sala sem bater, sem sua fala macia de timbre aveludado acariciando tímpanos ao telefone, e a hora do café, a tão afamada hora do café, intervalo dos afazeres, coisas deixadas de lado, momento que separa duas Eras distintas do dia- O antes e o depois do Despertar Matinal - Meu deus,como seria o gosto desse momento tão descontraído de interação social? Os flertes sutis mascarando a intimidade compartilhada, o paladar insípido já pressentia o desfecho em goles amargos;Onde estaria o açúcar afinal de contas?Ao final de tudo.Onde estaria o sentido implícito da lógica ao avesso?Na pilha de papéis inconclusos sobre as mesas?Nas xícaras deixadas pela metade?Nas longas pausas entre uma colheirada e outra de expectativa dissolvida em grãos de êxtase descafeínado?


  Mas havia ainda uma saída.Havia uma porta de emergência aberta para sua passagem.Era a confraternização de despedida.Era hoje.Estava próxima.Era agora ou nunca mais.Vestiu seu melhor visual, correu para a festa vindoura.Um dos primeiros a chegar.Ela já estava lá.Obviamente que estava.Era sua festa de adeus, so long, no more, never again...Todos a cercavam.Todos a chamavam para desejar boa sorte.Abraços calorosos.Discursos de última hora.E de repente, ela se viu só.Ele a viu só.Por um minuto a avistou sem ninguém a rodeá-la ou endossar sua triste partida.



  Parecia reflexiva.Fazia Ioga, Pilates, talves fosse só um momento de meditação corriqueira.Encontro com ela mesma.Controlar o nervosismo, a ansiedade pela incerteza quanto ao futuro.
-Parece que estamos sem café hoje- ele brincou.
-É, parece que nosso café fará falta! -estava distante ou apreensiva, não conseguiu decifrá-la.Ela continuou num tom de desabafo;
 -Você me fará falta! -era sua deixa de cinco anos, cinco anos trocando idéias e histórias por mera distração, não poderia ser apenas coincidência.Eram olhos através das paredes de concreto.Olhos com mira a laiser dinamitando com ousadia voraz a tímida cordialidade imposta...


  Ele sugeriu despropositadamente:"-Podemos continuar o café num lugar diferente!" - na cama, pensou com um sorriso de malícia nos lábios, não o disse.Vontade oprimida sobrepujando a coragem latente.Não o disse.Quem o faria?
Tantos anos lado a lado e estavam ainda se conhecendo.Era um recomeço promissor, de uma antiga estrada antes já percorrida por ambos.Por todos nós!



  -Conheço um lugar aqui perto!Costumo ir lá de vez em quando.Não é o melhor café da cidade, mas é um lugar bem agradável para um eventual bate-papo entre velhos colegas...Que acha?
Ela sorriu por um momento.Charme e mistério pontual em cena.Fez com que ele ficasse curiosamente impaciente, e sentenciou:
-Sabe, não sou uma viciada em cafeína, aliás nunca fui.Sempre preferi chá...Mas gosto de uma boa companhia.Quem não gosta, não é?


  Despediram-se ali para um breve encontro mais tarde.Num outro lugar.Uma nova realidade combinada.A vida seguindo seu curso, e o café com um sabor diferente.A Empresa perdera sem dúvidas, uma ótima funcionária.Ele não a veria mais na hora do café, diariamente, como antes.Fora um súbito afastamento.Mas estariam mais próximos e à vontade, de um jeito que nunca estiveram!

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

RITUAL PECULIAR






     Avistou-o subitamente e foi amor à primeira vista. Precisava tê-lo, possuí-lo de qualquer maneira. Já imaginava como seria o encontro, a textura macia e confortável da sua forma envolvendo-a, encaixando-se perfeitamente ao seu tamanho, se adaptando à sua estrutura fina e delicada. Era o seu número, sem dúvidas. E um adorno e tanto para o seu ego, já tão machucado por insistir em usar tamanhos errados, como se a dor justificasse o rótulo da sofisticação e da elegância. Não sem comprometer o prazer e o bem estar de se sentir livre e confortável na sua própria pele.

      Uma sensação repentina de posse a acometeu. Ele tinha que ser dela. Pertenceria a ela de qualquer maneira. Tão bem lhe faria, tal o modo como combinava com seu perfil e se harmonizava com as roupas certas e o ideal momento. Fora feito na medida certa para ela. O modelo, a textura, a cor versátil, o brilho tênue que irradiava dele: Tão autêntico e único. Nunca se vira outro igual. E aos pés dela, sim, ficaria perfeito.

 -"Que conforto para a alma!”- pensou com seus botões, blusa e seda. Na falta de um homem que me valha, me divirto escolhendo sapatos. Afinal, a diversidade é maior - sintetizou, com seu humor sarcástico, rindo-se por dentro, e ao mesmo tempo contestando sua fina ironia. Era isso, uma mera satisfação momentânea. Aforismo feminino.
Que homem jamais entenderá a relação íntima e profunda que une uma mulher ao seu melhor par de sapatos? O porte altivo, o olhar sedutor, o sorriso misterioso de satisfação que ela exibe enquanto desfila a sua pisante arte contemporânea. O estilo ousado, o design raro, ás vezes inovador, outras, de modas revisitadas. O prazer secreto e incomparável que ela sente, sente ao ser admirada. Não por você, seu tolo, ignorante e insensível, mas sim por uma outra exemplar da mesma espécie. Uma concorrente em potencial. Afinal, lá no fundo, todas o são.
      Uma vítima que padece do mesmo grau de uma quase obsessão, sem culpas, recalques e sem maiores constrangimentos. Da mesma necessidade urgente de preencher seu guarda-roupas com quinhentos pares de modelos diferentes. De mostrar para as amigas, de ostentar para as rivais. E até de curar suas mágoas e desilusões amorosas cortejando silenciosamente as vitrines e interpretando seus gostos sugestivos por mudanças, sua sensibilidade apurada, sua auto-estima objetiva e geneticamente complexa.

      Uma mulher se ama quando escolhe o que vai usar. Se cuida zelosamente. É um momento dela. Um ritual peculiar muito seu. Muito pessoal e discreto. Envolve concentração nos detalhes. 
Observe a sua aura renovada. Preste atenção na sua ansiedade crônica sendo temporariamente amenizada, pouco a pouco, enquanto ela experimenta, prova, descobre. Que súbita afeição existe ali? Desista. Você nunca entenderá. 
    Será que ela está amando, foi promovida ou teve uma noite de orgasmos intermináveis? Não, não... Ela apenas encontrou um modelo novo de sapato, e está prestes a experimentá-lo.




sábado, 7 de agosto de 2010

O CURSO NATURAL DAS COISAS



  "Há de se saber que teimosia não é determinação, que insistência nunca traz nenhuma certeza e que, convencer alguém de algo, não é conquistar sua confiança."




      Existe um momento na vida em que a consciência prática se torna mais importante que os anseios e motivações habituais que nos levam a agir de forma impulsiva, sempre que nos sentimos em desvantagem, seja na vida diária, no trabalho, num relacionamento. É a hora de confrontar a si mesmo, rever as idéias pré-estabelecidas acerca do que pode ou não influenciar nossas decisões.


    Devemos encarar o fato de que cada pessoa escolhe o seu caminho. Não se pode interferir ou tentar mudar o curso de um rio, apenas deixá-lo fluir conforme o destino que a natureza lhe reservou. Não basta sentir amor por uma pessoa, é preciso ser capaz de compreender suas razões, sob quaisquer circunstâncias; Conquistar uma parte dela quem nem ela sabe que existe, acompanhar seu ritmo, se adaptar a seu desassossego. Mesmo que às vezes o tempo, a distância ou a própria pessoa representem o maior obstáculo ou desafio.
     Há de se saber que teimosia não é determinação, que insistência nunca traz nenhuma certeza e que, convencer alguém de algo, não é conquistar sua confiança.

     Quando você estiver certo de que poderá amar uma pessoa porque ela faz você se sentir bem, ótimo. Agora procure realmente conhecê-la. Experimente sentir a falta dela, e descubra o quanto você é capaz de suportar a sua ausência, sem que o sentimento se enfraqueça.
    Perceba que essa pessoa não é perfeita. Ou o que é pior, é diferente de você. Fuja da ingenuidade que alimenta os ideais. Encare a saudade de uma maneira honesta, com todas as suas memórias distorcidas pela lente do tempo. Experimente a passagem desse tempo, sem permitir que o orgulho transforme seu coração em pedra. Chore uma ou outra vez para extravasar se isso for preciso, mas não para fazer dramas desnecessários, mesmo sabendo que suas lágrimas não terão o poder de fertilizar as sementes do seu desejo.


      Seja forte quando outras pessoas parecerem acreditar piamente nas próprias mentiras que contam. Elas roubarão atenções, trarão indignação e dúvidas. Você vai repensar suas convicções, talvez reinventar o amor de uma forma mais politizada e simples, ou menos dolorosa, ou menos fiel... O mundo, com um suave apelo materialista dirá sarcasticamente: 
- "Tudo gira em torno de interesses!"- Você saberá que satisfazer suas vontades é um leve peso na consciência. Que é momentaneamente mais fácil fazer uma pessoa sofrer do que sofrer por uma pessoa. Entenderá que o equilíbrio é uma arte, que a gente só aprende a dominar caindo. E que a maturidade consiste em aprender com seus erros. De preferência, sem culpar os outros nem repetir a mesma experiência milhões de vezes. Mesmo que a pessoa e a situação mudem, você continuará sendo sempre o mesmo. Por isso definitivamente, aprenda com seus erros!


     E verá todos seguindo o caminho mais fácil, porque também é o mais rápido, e também nesse caso, o mais conveniente... Então, você irá pelo outro lado. Porque você escolheu ter personalidade. E se muitos desistem nas primeiras dificuldades, você escolheu lutar até o fim pelo que acredita.
     Por isso, não reclame da vida. Agradeça a Deus pelas oportunidades,. Elas são únicas. E mesmo diante da pior injustiça, não guarde rancor ou mágoa de ninguém.


     É preciso ter muita coragem para se perdoar alguém, compreender suas razões, entender seus motivos. A maneira de cada um sentir e perceber as coisas é muito peculiar e subjetiva. E só o tempo conhece os limites que cercam a capacidade de cada um. Um gesto simples vale mais que a incoerência eloquente das palavras; Esquecer agora pode ser também uma forma de apostar num amanhã melhor.
     A paciência é uma virtude preciosa em qualquer circunstância, mas o amor é a verdadeira coragem que move todas as boas intenções.




...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

PÁGINAS DO FUTURO


 




    Estamos mergulhando em mais um processo de auto-conhecimento, de viagens por lugares exóticos e paisagens inóspitas. De busca e exploração de territórios desconhecidos em planetas não tão distantes. Na cumplicidade da anarquia de nossas mentes que sobrepõe-se ao democrático consenso da rotina e na fuga improvável da teia de sentimentos que nos controla e nos desafia a dominar diariamente nossos vorazes impulsos.
     Voltamos à estrada. De peito aberto e humor renovado. Voltamos a mil e com tudo em cima. Reciclados como material que dura e nunca se deteriora. A literatura, tal como os livros, será sempre material reciclável.

      Em nossos olhos estão escritas as páginas do futuro. O que nos aproxima é o fato de sermos todos elos de uma mesma corrente nos equilibrando na fina ponte da razão, enquanto caminhamos em fila indiana, atravessando o desfiladeiro do tempo, resistindo bravamente aos ventos tempestuosos das emoções. 
      Vamos nós, orgulhosos de sermos a cada dia melhores. Compartilharemos os instantes vindouros. É o que nos reserva a espera, além da paciência e da demora. A soma de todos os momentos resultará em nosso legado de saudade. Nosso contexto será nossa sorte.

     Os risos trarão ecos de nossa essência virtuosa de sátiros num mundo de sérios candidatos a pretensão. Gargalhadas sonoras. Aplausos de pé. Novamente a vontade num encontro com a inspiração deu à luz às palavras. Escrevemos nosso destino através das nossas razões. 
     Sirva-se de um café bem forte. Beba degustando cada gole. Fuja de seu romance acomodado, de sua ansiedade com hora marcada. Será um vantajoso atraso na correria do tráfego. Ajeite-se naquela cadeira macia da imaginação despertada, e me dê sua atenção por um momento. Porque baby, mesmo nunca tendo ido, eu agora estou de volta!