Faz uma noite
linda lá fora, mas nós preferimos ficar em casa. Assistimos a um filme
qualquer. Há uma história que fala sobre decisões importantes. Como tudo
depende disso, e como não se pode vencer sem arriscar. Sei lá... Tudo gira em
torno disso agora. É o que parece do lado de cá da cama, onde contar
estrelas não parece mais instigante do que filosofar com as lembranças e povoar
de histórias a imaginação.
Nos acomodamos
num espaço onde mal cabem dois. Fico surpreso em como você se adapta a qualquer
lugar. Sua versão portátil e delicada não necessita de muitas frescuras e nem
reclama demasiado conforto. E eu amo isso em você, quase tanto quanto o cheiro
de lavanda dos seus lençóis e toalhas, onde você se enrola ao sair do banho.
Momentaneamente,
eu vacilo quando te olho, você tem a minha atenção e as minhas piores intenções,
as mais indiscretas ao menos. Nada que soe vulgar para o nosso gosto e volúpia.
Você me devolve o olhar como quem sabe que me provoca, e gosta de se exibir.
Nós temos laços pseudo-afetivos que nos fazem cúmplices nesse jogo atrevido que
vai do sexo à verdadeira intimidade.
Me pergunto onde
estará aquele cara mal que era imune a essas coisas, enquanto escuto “Free
Bird” tocando no filme, como se fosse apenas mais uma bela música. Um dia esse
já foi o meu hino oficial de desapego e liberdade. Bom, graças a você, acho que
ser livre nesses dias não é mais tão agradável quanto antes. Não sei se te
agradeço ou te amaldiçôo por isso.
Fecho meus olhos em busca do sono. Uma
cena do filme distrai minha mente. A noite conversa de perto com meus
pensamentos. Eles despertam meu lado mais inquieto. Te observo em segredo, e
não reclamo. Se o futuro fosse agora como um sonho, eu desejaria que o presente
fosse acordar ao teu lado. Você me traz um tipo de paz mística. Tem essa
incrível capacidade de dialogar com meu silêncio. Não sei de onde vem sua
habilidade, mas você sabe muito bem o que está fazendo.
O universo é
como um palco onde encenamos nosso contexto. Você é a estrela do meu teatro de
memórias, e não se contenta em ser só coadjuvante. Não, você tem que roubar a
cena e fazer tudo parecer de verdade.
E eu sinto seu
toque e o calor suave das suas mãos perfeitas me afagando, deslizando por sobre
o meu peito. Finjo estar distante pra que você me traga para perto. É um truque
que aprendi com você. Tento controlar a respiração para entrar no ritmo dos
seus batimentos. Você suspira fundo, tem esse sono tranqüilo
e à prova de sons, típico de quem não carrega rancores e nem se estressa por pouco.
Imagino como deve ser a sua consciência, vivendo em harmonia com os seus desejos.
Eu sempre fui um espírito subversivo, tentando me convencer do contrário.
Há uma vida crescendo dentro de você
agora, isso me intriga e me assusta, mas você nunca deveria perceber isso, afinal,
eu sou à prova de falhas. Esse é seu homem, certo? Desculpe, às vezes ainda me
reservo o direito de brincar como um menino irresponsável, é pra disfarçar o
clima, os medos... Eles estão lá, são reais. Eu lido com eles todos os dias. E
é complicado admitir quando erro, porque é assim que as pessoas teimosas são. Você
sabe bem disso.
E você tem esse
orgulho, que supostamente te faz mais forte, independente, e à prova de culpas.
Mas eu, eu nasci sem isso, e invejo isso em você. É sério! Eu não me preservo. Ao
contrário, me atiro. E vivo com essa ingênua certeza de que, cada dia é uma
oportunidade que não pode ser desperdiçada, não importa o que eu venha a perder
com isso.
E você continua
adormecendo em meus braços, enquanto acaricio seus cabelos, eles tem essa
textura macia, mesmo quando o dia está seco. Eu paro pra que você suspire e me
peça para continuar, é proposital, saiba disso. Gosto de ouvir você pedindo.
Talvez seja meu ego falando aqui, eu sei, quem não sabe? É sempre o ego!
Mas se você não
pedisse,eu continuaria mesmo assim. E então, você se encolhe no sofá, como se
repentinamente entrasse uma corrente de ar, e a sala ficasse mais fria, eu
lembro dessa sensação, é sempre como entrar em um lugar e perceber que você não
está lá, o ar se torna pesado e a respiração fica difícil.
Você se mexe
pouco, se ajeita numa melhor posição, reclama o meu conforto como se fosse seu
travesseiro particular. Folgada, você deita e apaga, e todas as memórias
negativas do dia magicamente se dissipam.
Espero que você esteja confortável, espero
que esteja imersa em um sonho bom, e que tudo pareça melhor quando você
acordar.
Espero que um dia você saiba que quando
estive mais fora de mim, era o meu estado mais vulnerável; E que um dia você
seja mais capaz de perdoar do que eu, de não te dar motivos pra isso; E que no
fim, nós apenas estejamos bem, e que isso baste.
Então, vou ficar aqui, fingindo que
durmo, enquanto você se esforça aí, para permanecer acordada. Agarrada às suas
últimas forças, lutando contra o sono, contra o sonho, contra as lembranças que
insistem em voltar, como canções que nunca saíram do papel.
E o que me conforta agora, e nesses momentos
à toa, é essa tola certeza de que, em meus braços você teve os seus mais belos
sonhos e ao meu lado conheceu a mais autêntica e verdadeira forma de
felicidade. E sei que, de alguma forma, no futuro isso irá servir, pra você e eu
sabermos onde estamos, por onde passamos e o que devemos fazer para seguir a partir
daqui.