domingo, 20 de abril de 2014

INSÔNIA


                                                                                                       


Faz uma noite linda lá fora, mas nós preferimos ficar em casa. Assistimos a um filme qualquer. Há uma história que fala sobre decisões importantes. Como tudo depende disso, e como não se pode vencer sem arriscar. Sei lá... Tudo gira em torno disso agora. É o que parece do lado de cá da cama, onde contar estrelas não parece mais instigante do que filosofar com as lembranças e povoar de histórias a imaginação.

Nos acomodamos num espaço onde mal cabem dois. Fico surpreso em como você se adapta a qualquer lugar. Sua versão portátil e delicada não necessita de muitas frescuras e nem reclama demasiado conforto. E eu amo isso em você, quase tanto quanto o cheiro de lavanda dos seus lençóis e toalhas, onde você se enrola ao sair do banho.
Momentaneamente, eu vacilo quando te olho, você tem a minha atenção e as minhas piores intenções, as mais indiscretas ao menos. Nada que soe vulgar para o nosso gosto e volúpia. Você me devolve o olhar como quem sabe que me provoca, e gosta de se exibir. Nós temos laços pseudo-afetivos que nos fazem cúmplices nesse jogo atrevido que vai do sexo à verdadeira intimidade.
Me pergunto onde estará aquele cara mal que era imune a essas coisas, enquanto escuto “Free Bird” tocando no filme, como se fosse apenas mais uma bela música. Um dia esse já foi o meu hino oficial de desapego e liberdade. Bom, graças a você, acho que ser livre nesses dias não é mais tão agradável quanto antes. Não sei se te agradeço ou te amaldiçôo por isso.

         Fecho meus olhos em busca do sono. Uma cena do filme distrai minha mente. A noite conversa de perto com meus pensamentos. Eles despertam meu lado mais inquieto. Te observo em segredo, e não reclamo. Se o futuro fosse agora como um sonho, eu desejaria que o presente fosse acordar ao teu lado. Você me traz um tipo de paz mística. Tem essa incrível capacidade de dialogar com meu silêncio. Não sei de onde vem sua habilidade, mas você sabe muito bem o que está fazendo.
O universo é como um palco onde encenamos nosso contexto. Você é a estrela do meu teatro de memórias, e não se contenta em ser só coadjuvante. Não, você tem que roubar a cena e fazer tudo parecer de verdade. 
E eu sinto seu toque e o calor suave das suas mãos perfeitas me afagando, deslizando por sobre o meu peito. Finjo estar distante pra que você me traga para perto. É um truque que aprendi com você. Tento controlar a respiração para entrar no ritmo dos seus batimentos.                   Você suspira fundo, tem esse sono tranqüilo e à prova de sons, típico de quem não carrega rancores e nem se estressa por pouco. Imagino como deve ser a sua consciência, vivendo em harmonia com os seus desejos. Eu sempre fui um espírito subversivo, tentando me convencer do contrário.

         Há uma vida crescendo dentro de você agora, isso me intriga e me assusta, mas você nunca deveria perceber isso, afinal, eu sou à prova de falhas. Esse é seu homem, certo? Desculpe, às vezes ainda me reservo o direito de brincar como um menino irresponsável, é pra disfarçar o clima, os medos... Eles estão lá, são reais. Eu lido com eles todos os dias. E é complicado admitir quando erro, porque é assim que as pessoas teimosas são. Você sabe bem disso.
E você tem esse orgulho, que supostamente te faz mais forte, independente, e à prova de culpas. Mas eu, eu nasci sem isso, e invejo isso em você. É sério! Eu não me preservo. Ao contrário, me atiro. E vivo com essa ingênua certeza de que, cada dia é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada, não importa o que eu venha a perder com isso.

E você continua adormecendo em meus braços, enquanto acaricio seus cabelos, eles tem essa textura macia, mesmo quando o dia está seco. Eu paro pra que você suspire e me peça para continuar, é proposital, saiba disso. Gosto de ouvir você pedindo. Talvez seja meu ego falando aqui, eu sei, quem não sabe? É sempre o ego!
Mas se você não pedisse,eu continuaria mesmo assim. E então, você se encolhe no sofá, como se repentinamente entrasse uma corrente de ar, e a sala ficasse mais fria, eu lembro dessa sensação, é sempre como entrar em um lugar e perceber que você não está lá, o ar se torna pesado e a respiração fica difícil.
Você se mexe pouco, se ajeita numa melhor posição, reclama o meu conforto como se fosse seu travesseiro particular. Folgada, você deita e apaga, e todas as memórias negativas do dia magicamente se dissipam. 

         Espero que você esteja confortável, espero que esteja imersa em um sonho bom, e que tudo pareça melhor quando você acordar. 
         Espero que um dia você saiba que quando estive mais fora de mim, era o meu estado mais vulnerável; E que um dia você seja mais capaz de perdoar do que eu, de não te dar motivos pra isso; E que no fim, nós apenas estejamos bem, e que isso baste.

         Então, vou ficar aqui, fingindo que durmo, enquanto você se esforça aí, para permanecer acordada. Agarrada às suas últimas forças, lutando contra o sono, contra o sonho, contra as lembranças que insistem em voltar, como canções que nunca saíram do papel. 
         E o que me conforta agora, e nesses momentos à toa, é essa tola certeza de que, em meus braços você teve os seus mais belos sonhos e ao meu lado conheceu a mais autêntica e verdadeira forma de felicidade. E sei que, de alguma forma, no futuro isso irá servir, pra você e eu sabermos onde estamos, por onde passamos e o que devemos fazer para seguir a partir daqui.