
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
LEMBRANÇAS DE SUA ÚLTIMA INDIADA
" Ele preparou na véspera sua grande mochila de viajante profissional explorador do mundo.Ela tentava a uma semana fazer caber, tudo que precisava levar para um final de semana, na mala.Que não era um malinha qualquer, diga-se de passagem.Como adorava uma indiada!Valeria a pena sem dúvidas...."
Era sua primeira viagem juntos em quase três meses de namoro.Pegar uma estrada certamente os uniria ainda mais.Uma aventura sem destino, sem compromisso com horários, rotinas ou prazos pré-estabelecidos.Talvez o começo de uma longa jornada pela vida a fora.Uma parceria afinada e compatível, num caminho de descobertas e conhecimento mútuo.Seria realmente algo inesquecível para ambos.
Quando ele veio com essa idéia, mais sugerindo do que convidando, ela respondeu de pronto, mal contendo a euforia, espontânea que era;
-Aha meu querido!!!Esta falando com a pessoa certa.Eu sempre gostei de uma boa indiada!
Pneus calibrados, previsão de tempo bom e estrada aberta para rodar.A caranga em dia com a manutenção.Tudo muito bem revisado.Ele preparou na véspera sua grande mochila de viajante profissional explorador do mundo.Ela tentava a uma semana fazer caber, tudo que precisava levar pra um final de semana, na mala.Que não era um malinha qualquer, diga-se de passagem.Como adorava uma indiada!Valeria a pena sem dúvidas....
O engarrafamento que pegaram logo nos primeiros quilometros não abalou em nada seus entusiasmos.O livro que ela planejara terminar e não pôde pelo som alto do rádio que ele costumava escutar foi só um contratempo.Nada a lamentar.Incoveniente mesmo seria chegar no hotel e não ter quartos.Ou pior, não ter hotel.Era um programa mais natureza!-ele explicou, de última hora.
-Hummm!!Legal- ela disfarçou bem a surpresa -vou curtir!Um fim de semana no camping, dormindo ao relento sob a luz das estrelas.Fazer amor ao som dos grilos!Seria mágico.Seria um findi perfeito a dois!E os mosquitos que mais pareciam morcegos, tal sua sede...Nem tudo seria uma maravilha afinal.Ei, ela não era fresca!- engoliu em seco o ar, dissimulando;Brincou seriamente, mas brincou!
Foi um tanto estranho descobrir que os amigos dele estavam acampados ali a sua espera.Com cervejas para dar as boas vindas.Aliás, algumas delas já haviam sido consumidas, inclusive muitas por uns, e quando um deles vomitou a seus pés, ela soube que...Bem, ela soube que "apenas" teria que... Teria que trocar os sapatos, afinal, coisas assim acontecem..."Tudo bem!Está tudo bem!", repetiu como um mantra para se acalmar e abafar os palavrões que vieram a mente.
O lugar era realmente lindo.Reservado, "em termos".Muito verde.Longe de qualquer poluição.Exceto à noite, quando eles improvisaram uma fogueira que espalhou fumaça por todas as barracas, inclusive impregnando em suas roupas.Mas logo começou uma chuvinha tão providencial quanto imprevista.
Era tudo tão natural- pensou.Poderia viver bem assim.Mesmo quando a chuva ganhou forma de dilúvio e transformou a barraca numa ilha flutuante cercada de barro por todos os lados.E mesmo quando um sapo, provavelmente com diarréia, entrou sem ser convidado em sua oca disforme e defecou em seu travesseiro de estimação.Tudo fazia parte de um plano superior divino por certo.Ela adorava uma indiada afinal de contas!A quem tentava enganar, nem ela mais saberia dizer.Não ousaria contestar o que haveria de pior ainda por vir.Ao menos não havia nenhum psicopata a espreita na floresta, pensou.Foi quando, de repente ela ouviu barulhos.E subitamente um susto com o grande rato do banhado que saltou a sua frente e depois se embrenhou mata a dentro.Ok, era o fim!O eco do seu grito sintetizava seu limite e como havia ido muito além dele.
O fim de semana dos infernos acabou na manhã seguinte.Ela já não pronunciava palavras com mais de uma sílaba.Ele indagava e ouvia apenas ruídos indefiníveis.Adormeceu durante toda a viagem.Provavelmente com medo pelo que ainda poderia presenciar no caminho de volta.Não se animou nem quando ele sugeriu que dividissem a direção;E ela adorava dirigir.Quase tanto quanto adorava uma indiada...
Chegaram em frente a casa dela.Ele a beijou, ainda com bafo de cerveja e disse animado:- Foi um findi incrível!Temos que fazer outra dessas!
- Claro.Não vejo a hora!- ela respondeu, procurando inconscientemente uma pedra para atirar na cabeça dele.Mas se conteve.Afinal era educada.Fresca, não.Apenas tinha que rever seus conceitos sobre indiadas.Ou sobre seus parceiros de viagem...
Terminaram o namoro naquela semana mesmo.Incompatibilidade de programas para o final de semana.Fatal.O trauma fora maior do que ela pensara.Teve pesadelos com o sapo geneticamente modificado.Imaginava-o como um mutante rondando sua barraca.Precisaria de tempo para se recuperar.Algumas sessões de análise talvez...
Ah, e um novo namorado, é claro.Ajudaria muito.De preferência, menos aventureiro.Mais sensível a seus gostos.E que a ajudasse a desfazer a mala, já que desde a volta, ela ainda não tivera coragem.Com medo de lembrar...
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