domingo, 18 de janeiro de 2015

ADIVINHANDO INTENÇÕES





         Então, você se pergunta o que haveria de novo pra te fazer voltar a acreditar como antes. Me interroga com seus olhos de curiosidade infantil: Estranho, estranho meu, o que me faria tornar a te ver novamente? Você usaria o velho pretexto de esquecer alguma coisa para voltar a bater na minha porta como quem não quer nada? Como quem estava apenas passando e resolveu dar uma esticada, e escalou os meus cinco andares de prédio sem direito a elevador. Depois, você toca a campainha, enquanto recupera o seu fôlego, e aguarda ansiosamente que eu abra a porta com o sorriso mais convidativo do mundo, e te peça para entrar e não reparar na bagunça.

       Nós brincamos de adivinhar as intenções um do outro, enquanto dialogamos sobre alguma cadeira insuportável da Faculdade, ou algum show imperdível que acontecerá na cidade no próximo final de semana. Fico esperando que você me convide como quem tocou no assunto com um propósito implícito- fingindo não ter nada em mente, insinuando querer tudo. Mas você é sutil, isso faz parte do seu charme. Eu sou ansiosa- e atrapalhada, isso faz parte do meu carma. Você desconversa e muda o rumo da prosa, com uma naturalidade que me dá nos nervos. É como se você passeasse pelos arredores dos assuntos que mais me importam, e iniciasse as frases que eu gostaria que você terminasse, mas você nunca termina. E me deixa aqui, nessa expectativa, sobre o que sente a respeito de mim, a respeito da gente- nós, enquanto um casal, assim mesmo, no plural, como referência a um pronome, que indica a soma de duas individualidades na tentativa de significarem alguma coisa juntas. Quem sou eu pra você afinal? Uma amiga distante, uma mera ficante, uma garota legal mas instável demais pra ser levada a sério? Quem sabe eu não seja a sua primeira opção, e isso não seria o tipo de coisa que me faria insistir com você, mas ao menos poderia justificar o meu afastamento súbito, as minhas saídas- que estupidamente tenho evitado- em finais de semana, com o objetivo claro de me distrair, e beber, e dançar, até não lembrar mais nem de perto que você existe.

          Então quem sabe você me ligaria perguntando como vai a vida- como tantas outras vezes já fez- ou porque eu ando sumida como se tivesse um real interesse em saber da minha vida. "Você é um idiota, sabia? Vá para o inferno!" Não fosse pela minha fina educação, a que tanto aprecio, e que nunca abro mão- você ouviria isso de mim agora. Porque é o que você merece por fazer esse discurso ensaiado do cara preocupado que vez por outra lembra que eu existo. É conveniente para você ser assim, eu entendo. É típico do gênero. Mas para mim, é ridículo, e inútil. Isso não me serve. Você, como amigo, é o cara com quem eu gostaria de estar confidenciando nessa hora, as minhas fantasias, falando ao seu ouvido em tom provocativo, e te deixando excitado, e cheio de intenções na cabeça. Você, como homem, me faz ter pensamentos obscenos, me faz pensar em romance à luz de sexo, e momentos profundos de intimidade, temperados pelos nossos sorrisos insinuantes e palavras com duplo sentido.
          Mas você só fala sobre como as suas noites são vazias, e como você nunca encontra alguém que te complete- sem saber o quanto isso é brochante para uma garota como eu, no estado em que eu me encontro, de ilusões persuadidas por um desejo que não me dá trégua, e que me deixa obcecada  por aquilo que eu quero, sem entender porque os outros agora, por mais promissores que pareçam, apenas não me interessam. Porque no fundo, tudo que eu quero nesse momento está bem aqui na minha frente, e por mais que você seja tapado ou egoísta demais para perceber, tudo que eu quero- e não sei por quanto tempo- ainda é você.

          Mas não por muito tempo, se continuarmos assim, nesse impasse comunicativo. O meu desejo é eloquente. Ele grita, se declara, está nos gestos e expressões. Mas o seu interesse é silencioso, contemplativo. Não dá para dizer de onde ele vem, nem mesmo afirmar se efetivamente existe.
     Nós não estamos nos entendendo aqui, definitivamente. Parece que falamos uma língua estrangeira em uma terra sem lei. Difícil entender o que não se pode explicar nem para nós mesmos. Nós deveríamos tentar a linguagem dos sinais, quem sabe você captaria melhor o que meus olhares não estão sendo capazes de traduzir em palavras.
        Gostaria que você tivesse a incrível habilidade de ler minha mente. Seria mais prática do que saber trocar pneus. Mas sentiria vergonha de alguns dos meus pensamentos. Seriam impróprios para esse horário e fariam, talvez, você rever seus conceitos sobre a visão que tem de mim. O que, pensando bem, não seria assim tão ruim, considerando os fatos. Mas nossa situação já é embaraçosa que chegue. Ao menos, para mim. Acho que talvez fosse melhor mesmo que você fosse embora, e me deixasse a sós, com minhas esquisitas sensações sobre ser ou não ser importante para alguém no mundo, e aceitar ou ignorar as minhas vontades, em nome de uma emoção que não sei se atribuo aos anseios da alma ou às necessidades involuntárias do corpo.
       Não suporto essa angústia, ela me dá calafrios. Me faz ponderar entre todas as hipóteses, e contrariar a lógica sobre tudo que julguei ser possível, e todas as vezes em que me convenci a arriscar por alguém, o resto de fé que eu tinha na condição humana, e resolvi nesse momento, depositar em você. Só pra ver no que ia dar. Sem maiores pretensões. Não que eu esperasse muita coisa em troca, mas o que viesse nesse caso, era lucro. E para quem cansou de sair sem nada, era a chance de uma virada já nos descontos.

        Valeu o risco. Te conhecer valeu a noite, e mais alguns dias que ficaram pendentes na lembrança, à espera paciente de um novo encontro, inspirado pelo acaso, cercado de circunstâncias não premeditadas, doses homeopáticas de saudade e alguma breve inquietação.
           Se você vai se tocar? Não sei. Talvez um dia, talvez nunca. Talvez por uma noite, não importa. Mas não vou ficar aqui para descobrir. A espera cansa. Até para espíritos teimosos e compreensivos como o meu. Uma mulher não te culpará por tentar ter dela mais do que uma boa amizade, mas experimente desperdiçar a chance de ter algo mais quando ela está disposta a isso. Uma oportunidade desperdiçada é uma chance perdida para sempre, e no limbo das coisas que poderiam ter sido, será sempre aquela sorte cuja falta você irá lamentar quando se decepcionar com alguém.



     

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