sábado, 20 de dezembro de 2014

HORIZONTES EM CONTRASTE





     Desculpe a minha estúpida incoerência de não saber puxar assuntos apenas por puxar. Eu não seria capaz de esconder meu interesse por muito tempo, e nem conseguiria ficar duas horas falando de amenidades, apenas para tentar te convencer que eu valho alguma coisa. Não entenda mal, eu sou muito paciente para muitas coisas, mas nem um pouco dissimulado para outras. Bom, talvez em algumas situações, mas não nessas. Não quando se trata de criar empatia e confiança com outra pessoa. Nessas horas, algo em mim parece gritar de forma convicta: "Quem sabe o que quer, reconhece quando encontra". E tudo segue fácil e natural, fluindo para um completo entendimento de palavras, afinidades e olhares, trocados em forma de promessas. Então você sugere que eu te espere enquanto vai ao banheiro. E eu penso alto com um sorriso distraindo o silêncio: "Logo agora que as estrelas começavam a iluminar o caminho?" Mas você sorri com os olhos, e me pede para não ir embora, assim eu sei que você volta. Não me pergunte como, mas eu aposto que sim. 

    Enquanto você demora, ajeita o cabelo ou retoca o batom- fazendo do espelho seu cúmplice e admirador lisonjeiro da sua beleza confiante- fico listando mentalmente todas as coisas a respeito de mim que eu deveria esconder, e como o idiota anti-social que eu sou, começo a pensar que te revelar algumas delas, as piores de preferência, seria uma maneira original de "não" começarmos alguma coisa. Assim, você não me decepciona, fazendo aquilo que eu espero que você faça. Ou seja, sendo previsível. E no entanto, se você for do tipo que não se importa com o passado, e que está mais interessada em quem eu sou de verdade, bem, talvez a gente se entenda fácil, aceite as nossas diferenças necessárias, e saia daqui experimentando um certo tipo de sinceridade que não estamos acostumados a encontrar por aí. Ao menos, não nos lugares onde se encontram pessoas trocando ilusões para passar o tempo.
    Bom, esse seria um bom motivo pra você me considerar diferente. Prefiro que você descubra os outros por si própria. Se conseguir passar da primeira fase, claro. Boa sorte com isso. Te ofereço algum bônus a cada demonstração espontânea de carinho e sensibilidade. E enquanto for a sua chance, os outros esperam a sua vez de jogar.
     Vou te falar a verdade, eu não sou fácil. Há muitas razões para você não gostar de mim, não posso fingir que não. A principal delas é que eu não aceito menos do que estou disposto a ofertar. Não sou do tipo que insiste quando você hesita, tampouco irei desistir quando você resolver apostar. Prefiro que você me surpreenda fazendo as coisas de um jeito diferente, e que não estou acostumado, do que apenas me convença fazendo tudo aquilo que os outros já fazem.
     Calma, que têm mais. Realmente quero que você saia daqui sabendo com quem está lidando, e com a certeza de que eu não sou o cara certo pra você. E você estará profundamente errada se vier a gostar de mim.

    Você não deveria gostar de mim porque eu não consigo ouvir duas músicas em sequência do Coldplay - embora eu até goste de ouvir uma no rádio. Porque prefiro ouvir uma sinfonia de latidos dos cachorros da rua ao invés de um show animadíssimo de pagode, ou porque penso que livros de auto-ajuda só servem pra tornar as pessoas mais auto-centradas e egoístas.
     Você não deveria gostar de mim porque eu sou em parte como todos os homens são, e sou capaz de te magoar tanto quanto outros já o fizeram. Não significa que eu o faria, apenas você deveria saber que eu posso. É mais justo e honesto que você saiba.
    Você não deveria acreditar em tudo que eu falo, não porque eu minta ou invente coisas, mas porque às vezes é mais saudável questionar os motivos que levam alguém a tentar te impressionar contando aventuras, ou relembrando histórias. Trazendo à tona fatos, dizendo coisas que ficariam melhores em um palco, com um roteiro improvisado, ou com uma cena ensaiada mil vezes pra não errar o diálogo, e fazer o beijo parecer mais excitante e apoteótico no final.

    Você não deveria gostar de mim porque eu nunca fui muito bom nessa coisa de tentar agradar apenas para conseguir chegar aonde eu quero, porque eu não costumo usar adjetivos adulatórios para demonstrar interesse. Você não vai me ouvir chamar você de linda a menos que você realmente esteja merecendo um elogio focado assim, diretamente na sua aparência. Não que pra você, isso seja difícil. Acho que você deve ser o tipo de pessoa que fica encantadora até quando acorda, com o cabelo desarrumado e remela nos olhos. Mas um verdadeiro elogio, do tipo espontâneo, desculpe, mas tem que ser merecido. Isso é cruel e idiota da minha parte, eu sei. Mas é o que considero justo nessas relações humano-afetivas. Afinal, você também não saí por aí falando qualquer coisa para qualquer um que conhece apenas para impressionar. Então, por que raios eu deveria fazer isso? Não faz muito sentido, não é mesmo? Só porque é socialmente agradável, e todos fazem, deveria se tornar uma espécie de comportamento padrão? Bom, eu sempre fui um pouco subversivo pra essas questões. É bom que você fique ciente. Se todos vão em fila indiana para o lado direito, eu fico curioso sobre o que deve haver no lado esquerdo. E gosto de ir lá descobrir antes de ter minha opinião formada sobre o assunto. 
    E além do mais, acho que há palavras que são banalizadas pelo uso constante. Acho que existem elogios que sempre são ditos com a intenção de ter algo em troca, mesmo que não pareça na hora. Por mais confiante que você seja, algumas pessoas simplesmente não são confiáveis. Mas você já está cansada de saber disso. Quando for conveniente você os aceita, senão, você os ignora e finge que nem percebeu. Estou ligado que você também sabe jogar esse jogo. E se saí melhor do que muito malandro que se julga especialista. Azar o deles. Quando pensam que te ganham pelo cansaço, você já deu duas voltas neles e já está saindo pelo outro lado, com um sorriso largo no rosto e dando tchauzinho sem nenhum remorso. É assim que você é. É assim que eu sou.

     A gente tem algumas horas para desvendar um ao outro. Não é muito se formos parar para pensar. Não é nada se compararmos com alguns casais que levam uma vida inteira. Mas talvez para nós, por agora, seja o bastante. Acho que simplificar as coisas significa ser mais direto. É mostrar logo ao que veio, o que pretende, e até onde chegam as suas intenções. Você não pode ter medo, nem julgar conhecer alguém pelo que os outros falam. Mas você pode criar seu próprio conceito. Procurando entender as diferenças, se interessando genuinamente por elas. Falando, escutando. Indagando, fazendo perguntas, compartilhando histórias. Há uma natural sequência de eventos a serem seguidas por aqui, como um mapa que leva ao tesouro. Há quem prefira ir se guiando por pistas e navegar por águas misteriosas. E há outros que são mais atraídos pela beleza do caminho, e quando encontram a ilha e o lugar perfeito onde o tesouro se esconde, até esquecem o que procuram. Preferem apreciar a vista juntos. Compartilhando a paisagem no seu livro particular de memórias, e assistindo ao pôr-do-sol, ao final do dia, refletido no mar e no horizonte dos olhos um do outro.





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