Você me toca, isso não estava no script. Tento prender meu
olhar na sua retina. Mas você desvia antes. Timidez, eu penso. Torço
secretamente para que a essa altura dos nossos encontros marcados sem a permissão
do destino, você ainda se veja lidando com isso. Te daria um certo charme
despretensioso, admito. Como um ar cercado de mistério que reveste a sua aura e instiga a minha
curiosidade. E eu odeio ser fisgada desse jeito. Mas se for mesmo timidez, até combina
bem com a minha extroversão natural. Espero sinceramente que seja. A outra
alternativa seria talvez um real desinteresse da sua parte. Não é nada promissor de se pensar.
Você já encarou em meus olhos as minhas inseguranças antes,
e lidou com os meus devaneios de ocasião. Isso nunca te fez hesitar, não seria
agora que está assim, posando de esfinge indecifrável. Parado à minha frente, tão
próximo da minha boca e distante do meu desejo. Tão vulnerável quanto a
impressão de que compartilhamos mais do que apenas uma amizade colorida.
Eu não quero ser sua parceira eventual de cama. Você sabe
que eu não sirvo e nem tenho vocação para isso. Quer dizer, eu acho que você
sabe. Pensei que havia ficado claro. Ou sei lá, subentendido. Agora, já não sei
mais de nada. Você olha para o relógio chamativo em seu pulso, e diz que
precisa resolver algumas coisas. E que precisa ir agora. Se aproxima para
beijar o meu rosto, encosta o lábio na minha boca. Eu recuo- como um reflexo
involuntário de quem não está certa do que está acontecendo. Você me pergunta
se quero sair mais tarde. Adivinha minha resposta com um sorriso confiante.
Tenho uma vontade súbita de te decepcionar.
É claro, que eu sofreria bem mais recusando o seu gentil
convite, mas não quero facilitar as coisas demais para você. Já ouvi esse
conselho mil vezes de todas as minhas amigas- embora elas nunca o pratiquem nas
suas próprias vidas. Então digo que não, que já tenho outro compromisso.
Meu orgulho flutua como um iceberg do qual não consigo me
desviar. Você esconde bem a sua contrariedade. Responde que é uma pena, e se
dirige para a porta firme e decidido a caminhar para fora da minha vida. Me
arrependo mas não aparento. Sou treinada para isso. Ser dissimulada é como um
hobbie para mim. Exceto que agora não me dá muito prazer ter que agir assim. Se
eu fosse mais “fácil” certamente aproveitaria mais a vida. Mas acontece que não
sou. Essa não sou eu, e pronto. Espero que você não repare na minha bagunça interior.
Ainda tento remendar inutilmente com um: "Quem sabe
outro dia..."- você responde com um evasivo: "Claro! Podemos
combinar..."- e nós nos enganamos com um novo: “Até logo!”- Dessa vez, com
um sonoro tom de adeus.
Queria
tanto que você ficasse, queria mesmo. Alguma coisa em mim até insiste para que
você se sinta mais à vontade, e não me faça parecer assim, tão complicada. Mas
eu ainda não estou pronta para confiar agora. E me arriscar a me envolver
comigo mesma, e com tudo que espero de alguém. Com tudo que acho que sei sobre
ter alguém que me mereça, e como valorizar e me sentir completa com isso- sem
deixar que o medo de perder atrapalhe, ou os meus motivos particulares sejam para
mim, suficientes para justificar qualquer escolha que eu venha a fazer.
Espero mesmo que você entenda. Espero que não saia por aí
me esquecendo. Mas acima de tudo, espero que quando eu superar minhas barreiras
e complicações pós-parto ilusório- da esperança, da fé e do amor- você esteja
lá me esperando, e segure firme a minha mão, me dizendo que vai ficar tudo bem.
E que, a partir de agora, nada nem ninguém, vai ficar entre a gente.
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