terça-feira, 6 de janeiro de 2015

DEVANEIOS DE OCASIÃO





Você me toca, isso não estava no script. Tento prender meu olhar na sua retina. Mas você desvia antes. Timidez, eu penso. Torço secretamente para que a essa altura dos nossos encontros marcados sem a permissão do destino, você ainda se veja lidando com isso. Te daria um certo charme despretensioso, admito. Como um ar cercado de mistério que reveste a sua aura e instiga a minha curiosidade. E eu odeio ser fisgada desse jeito. Mas se for mesmo timidez, até combina bem com a minha extroversão natural. Espero sinceramente que seja. A outra alternativa seria talvez um real desinteresse da sua parte. Não é nada promissor de se pensar.
Você já encarou em meus olhos as minhas inseguranças antes, e lidou com os meus devaneios de ocasião. Isso nunca te fez hesitar, não seria agora que está assim, posando de esfinge indecifrável. Parado à minha frente, tão próximo da minha boca e distante do meu desejo. Tão vulnerável quanto a impressão de que compartilhamos mais do que apenas uma amizade colorida.
Eu não quero ser sua parceira eventual de cama. Você sabe que eu não sirvo e nem tenho vocação para isso. Quer dizer, eu acho que você sabe. Pensei que havia ficado claro. Ou sei lá, subentendido. Agora, já não sei mais de nada. Você olha para o relógio chamativo em seu pulso, e diz que precisa resolver algumas coisas. E que precisa ir agora. Se aproxima para beijar o meu rosto, encosta o lábio na minha boca. Eu recuo- como um reflexo involuntário de quem não está certa do que está acontecendo. Você me pergunta se quero sair mais tarde. Adivinha minha resposta com um sorriso confiante. Tenho uma vontade súbita de te decepcionar.
É claro, que eu sofreria bem mais recusando o seu gentil convite, mas não quero facilitar as coisas demais para você. Já ouvi esse conselho mil vezes de todas as minhas amigas- embora elas nunca o pratiquem nas suas próprias vidas. Então digo que não, que já tenho outro compromisso.
Meu orgulho flutua como um iceberg do qual não consigo me desviar. Você esconde bem a sua contrariedade. Responde que é uma pena, e se dirige para a porta firme e decidido a caminhar para fora da minha vida. Me arrependo mas não aparento. Sou treinada para isso. Ser dissimulada é como um hobbie para mim. Exceto que agora não me dá muito prazer ter que agir assim. Se eu fosse mais “fácil” certamente aproveitaria mais a vida. Mas acontece que não sou. Essa não sou eu, e pronto. Espero que você não repare na minha bagunça interior.
Ainda tento remendar inutilmente com um: "Quem sabe outro dia..."- você responde com um evasivo: "Claro! Podemos combinar..."- e nós nos enganamos com um novo: “Até logo!”- Dessa vez, com um sonoro tom de adeus.  
  
            Queria tanto que você ficasse, queria mesmo. Alguma coisa em mim até insiste para que você se sinta mais à vontade, e não me faça parecer assim, tão complicada. Mas eu ainda não estou pronta para confiar agora. E me arriscar a me envolver comigo mesma, e com tudo que espero de alguém. Com tudo que acho que sei sobre ter alguém que me mereça, e como valorizar e me sentir completa com isso- sem deixar que o medo de perder atrapalhe, ou os meus motivos particulares sejam para mim, suficientes para justificar qualquer escolha que eu venha a fazer.
Espero mesmo que você entenda. Espero que não saia por aí me esquecendo. Mas acima de tudo, espero que quando eu superar minhas barreiras e complicações pós-parto ilusório- da esperança, da fé e do amor- você esteja lá me esperando, e segure firme a minha mão, me dizendo que vai ficar tudo bem. E que, a partir de agora, nada nem ninguém, vai ficar entre a gente.






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